João* (nome fictício), 73 anos, costumava, todos os dias, sair para caminhar e passear com seu cachorro. Mas a rotina feliz e prazerosa ao lado do seu “melhor amigo” logo ficou para trás. Os tremores nas mãos e a falta de coordenação motora fizeram com que ele desistisse das caminhadas diárias. Sua saúde ficou debilitada após o uso de bebida alcoólica piorar. João não imaginava que aquele “copinho” de vodka que bebia todos os dias, além da cervejinha, fossem o levar ao transtorno por uso de substâncias (nesse caso, o álcool). “Estive na iminência de perder a companheira e o lar”, admite.
A história do morador de Balneário Camboriú é só mais uma, entre as milhares de pessoas que sofrem com o alcoolismo e uso de drogas no mundo. Por isso a importância de reforçar a discussão sobre o tema nesta quinta-feira (20) – Dia Nacional de Combate às Drogas e ao Alcoolismo. A data, instituída pelo Ministério da Saúde, tem justamente o objetivo de alertar a população sobre os danos que o consumo excessivo dessas substâncias provoca no organismo e, consequentemente, na vida das pessoas.
Para auxiliar os pacientes em sua recuperação, a prefeitura de Balneário Camboriú oferece suporte no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD). E foi nesse espaço de acolhimento que João buscou ajuda, incentivado por sua esposa. Ele começou a frequentar o CAPS AD em outubro de 2022 e, diante da resistência em admitir o transtorno por uso de substâncias, foi encaminhado para um Centro de Tratamento (CT), em Jaraguá do Sul. “Após deixar o CT, os serviços de psicologia e psiquiatria oferecidos pelo CPS AD foram de total importância para eu manter a abstinência”, afirma.
Além do álcool, cujo consumo abusivo pela população aumentou de 18,4% para 20,8% entre os anos de 2021 e 2023 (dados do relatório da Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, VIGITEL Brasil 2023), a data também chama a atenção para o uso de drogas. Ao longo de 2022, o número de pessoas que utilizaram substâncias ilícitas chegou a quase 292 milhões, de acordo com dados apresentados no último Relatório Mundial sobre Drogas.
Pedro*, 49 anos, teve a dura experiência de se aventurar pelo mundo sombrio dessas substâncias. Começou a usar drogas ainda aos 14 anos, por “curiosidade” e por querer pertencer a um determinado grupo de amigos. O uso prolongado das drogas durante 30 anos quase destruiu a sua vida. Após uma overdose, Pedro perdeu 90% da visão. “Posso dizer que o vício prejudicou minha vida em todas as áreas, seja pessoal ou profissional. Me afastei das pessoas e decepcionei quem eu mais amava. Perdi a infância da minha filha, não fui ao enterro da minha mãe e, principalmente, perdi a capacidade de sentir”, diz.
Mas, apesar de todo sofrimento e perdas, altos e baixos, Pedro é um exemplo de que é possível se recuperar. Ele passou por internações em várias clínicas para tratamento da dependência química e, há seis anos, buscou novamente ajuda no CAPS AD. “Tenho muita gratidão pela equipe, que sempre me acolheu com muito profissionalismo e carinho. Houve vezes que iam até a minha casa me visitar e me chamar para a consulta”, afirma.
Atualmente, Pedro é proprietário de uma marca de confecção – um sonho antigo que estava paralisado devido ao transtorno por uso de substâncias. Além disso, ele retomou os estudos e está cursando o quarto ano de psicologia. “Tenho como objetivo ajudar as pessoas que, assim como eu, vivem a problemática da drogadição ativa. Espero com isso ajudar a devolver um filho para sua mãe, um pai para seu filho. Colaborar com as pessoas no processo de ressignificação de suas vidas”, emociona-se.
Cuidado e acolhimento
O Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras Drogas (CAPS AD) funciona desde 2014 em Balneário Camboriú e oferece cuidados para pessoas com transtorno por uso de substâncias psicoativas como o álcool, maconha, cocaína, crack, tabaco, sedativos, entre outros. O objetivo é auxiliar as pessoas em sua recuperação e retomar a qualidade de vida, prejudicada pelo uso abusivo do álcool e outras drogas. “Os prejuízos podem se manifestar em vários aspectos da vida, como saúde física e mental, trabalho e renda, educação e relações sociais. Em alguns casos, as perdas podem até levar a pessoa à situação de rua”, explica a psicóloga que atua no CAPS AD, Ana Lúcia Azevedo Dias.
De acordo com a profissional, quando o paciente chega no Centro, a primeira coisa a ser feita é acolhimento. Em seguida, é feito um Plano Terapêutico singular, com atividades que irão auxiliar a restituir o senso de pertencimento, possibilitar processos reflexivos, potencializar diálogos e debates que contribuam para a recuperação. Isto é feito por meio de atendimento individual, grupos e oficinas.
De 2014 até esta segunda-feira (17), 5.293 prontuários haviam sido registrados no CAPS AD. Ou seja, mais de cinco mil pessoas já buscaram atendimento no local.
“Importante ressaltar que as pessoas que estão tendo problemas com o uso de álcool e outras drogas precisam buscar ajudar. Elas podem receber este auxílio aqui no CAPS AD e nas Unidades Básicas de Saúde, além da ajuda mútua nos grupos de Alcoólicos e Narcóticos Anônimos”, ressalta a psicóloga. A profissional afirma que o transtorno por uso de substâncias pode ser percebido diante de algumas situações. “De maneira geral, o primeiro alerta acende quando a pessoa começa a não dar mais importância a aspectos da vida que antes eram importantes e interessantes e tem dificuldade em controlar o uso da substância ilícita”, ensina.
*Este texto usou nomes fictícios, em respeito à privacidade dos pacientes
Onde procurar ajuda
Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas – CAPS AD
Endereço: 5ª Avenida, esquina com a Rua Curitibanos, s/n – Bairro dos Municípios
Atendimento de segunda a sexta-feira, das 7h às 19h
Telefone: (47) 3261-6216
Whatsapp: (47) 99143-9995
Texto: Kássia Dalmagro
Foto: Gustavo Martuffi